Entre Quatro Paredes - Estação Carandiru

 A temática de confinamento, infernos pessoais e ações humanas do passado presentes no texto de Sartre me fizeram lembrar de Estação Carandirú, de Drauzio Varella. Esse livro traz relatos do funcionamento burocrático, estrutural e social da Prisão de Carandirú, em São Paulo. A narrativa descreve o espaço, as pessoas que o ocupam, seus comportamentos e relatos. 

Ler esse livro é como imaginar que existe uma realidade paralela à vida comum, ou ao prosseguimento da vida comum. E apesar dos detentos não verem a vida passando fora da prisão, muitos descrevem a perda da noção do tempo que as coisas fora ocorreram. Estagnados num mesmo ponto e lugar, convivendo com suas antigas ações em tempo integral e vez ou outra vendo a vida passar de longe.

Um dos aspectos que se relaciona pra mim é desumanização das personagens/pessoas. No caso do texto de Sartre, elas são desumanizadas por terem se "ausentado". E é curioso pensar que o mesmo acontece com as pessoas de Carandirú, ao serem confinadas em espaços comprimidos apenas como mais um número no quadro de contagem.

 Separei 2 fragmentos, dentre os diversos relatos grotescos presentes do livro, que se relacionam com texto em questão. 

"Genival, um dos habitantes do setor, diz que perdeu o

juízo por causa da visão de um senhor que ele matou num

assalto:

- Quando a noite caía, a alma penada dele vinha me

assombrar, na escada, na galeria e até no xadrez trancado.

Tentei me suicidar duas vezes para escapar

da perseguição.

Como nos manicômios do século xix, passam o tempo

reclusos em seus xadrezes. A medicação psiquiátrica que

recebem é praticamente a mesma para todos." Pag. 25

"A Masmorra fica em frente à gaiola de entrada do

pavilhão. É guardada por uma porta maciça, ao lado da qual uma

placa avisa que é terminantemente proibida

a entrada de qualquer pessoa não autorizada. São oito celas de

um lado da galeria escura e seis do outro, úmidas e

superlotadas. O número de habitantes do setornão é inferior a cinqüenta, quatro ou cinco por xadrez, sem

sol, trancados o tempo todo para escapar do grito de guerra do

Crime:

- Vai morrer!

Ambiente lúgubre, infestado de sarna, muquirana e

baratas que sobem pelo esgoto. Durante a noite, ratos

cinzentos passeiam pela galeria deserta.

A janela do xadrez é vedada por uma chapa de ferro

fenestrada, que impede a entrada de luz. Por falta de

ventilação, o cheiro de gente aglomerada é forte

e a fumaça de cigarro espalha uma bruma fantasmagórica no

interior da cela. Tomar banho exige contorcionismo circense

embaixo do cano na parede ou na torneira da

pia, com uma caneca.

A Masmorra é habitada pelos que perderam a

possibilidade de conviver com os companheiros. Não lhes resta

outro lugar na cadeia; nem nas alas de Seguro, como

o Amarelo do Cinco, por exemplo. Mofam trancados até que a

burocracia do Sistema decida transferi-los para outro

presídio." Pag. 23

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