Texto - Cristiano
Quem: uma voz.
Onde: um corpo de uma mulher.
No breu, ouve-se a voz:
Vozes existem.
Vorazes.
Pelas matérias.
E vez ou outra, quando percebes que o vidro trincou sem aparente
motivo.
Ou mesmo a rã que saltou, um dia, em altura incomum.
Ou quando a torneira gotejava sem interromper, sem interromper,
sem interromper, sem interromper... Vá olhar!
Não é de tudo certo, mas é possível que não seja um acontecimento
físico da matéria, mas, sim, ela, a matéria, invadida por vozes.
Que existem. Vorazes. Pelas matérias.
E vez ou outra, quando percebes, em qualquer espaço, qualquer
expressão que parece maior que a imagem do que vê, talvez estejas
diante de mim e nem saibas.
Companheiros...
Já invadi vários patos. Patos. Já. Pato é danado. Tem humor,
sabe? Mas não é humilde por dentro como parece sua imagem,
não. Pato, você não me engana mais.
Já os cães são superiores. Por dentro, são. Seus latidos são as
verdadeiras medidas das distâncias no espaço. Latido lá, lonjura.
Latido aqui, proximidade.
Os cavalos: a crina, o rabo, são espaços lindos, lindos...
Os cremes, eu gosto de invadir. São deslizantes, fazem um
barulhinho por dentro como se suaves bolhinhas explodissem.
Suaves bolhinhas. Mas isso é só para os ouvidos dos cães, não
pra vocês, coitadinhos...
Já o café, o café, companheiros, é um rock. Quando você penetra
no café, ele fica te jogando de um lado pro outro, como se te
expulsasse de si. Eu recomendo, companheiros. Não é possessivo.
O café te movimenta.
A mostarda já é estranha. Não entendi bem a mostarda, mas,
não sei, achei respeitosa.
As estátuas, pra mim, por dentro não fedem nem cheiram.
Eu prefiro invadir os frascos de remédio. Muito melhor.
As estalactites, sim. As estalactites... Aquilo não é para os fracos
Dentro delas, é possível meditar.
Companheiros, eu não sou um bicho. Portanto, não posso falar
por vocês. Respeito vossas existências, não tenho a prepotência
de entendê-los, caros coitados que são, mas vamos tentar dialogar.
Vamos. De diferente para diferente. Aprendi como os seres
humanos falam, como escutam, que é preciso falar com certeza,
assim como estou falando neste momento, para ser ouvida por
vocês. Por aleatoriedade, escolhi falar no feminino, enquanto
vossa espécie não define se fala como macho ou como fêmea.
Sei também que vocês têm dificuldades de entender o que não é
vocês mesmos, mas vou tentar explicar:
Sou uma voz, apenas isso.
E, mesmo sabendo que vocês não acreditam nesse tipo de existência,
que não é humana, vim até aqui, proferir sons de vossas
línguas limitadas. Línguas que não decidem. Não decidem se
falam o que escrevem, ou se escrevem o que falam. Estou me
comunicando com palavras de um bicho humano, porque vocês
são tão egoístas, tão egoístas, que só entendem as próprias
línguas. Eu poderia me comunicar em Código Morse, em sons
inaudíveis, em ondas magnéticas, ou qualquer outra coisa
assim. Vocês pensam que minha existência não existe, mas precisam
saber que vozes existem sim. E invadem matérias. E são
vorazes pelas matérias.
Ontem entrei em você, coisa. É possível. Mas você não lembra.
Lembra? Lembra sim... você pensou que era a lepra, o vento,
a luz que simplesmente pincelou o brilho da sua imagem.
Tudo imagem: imagem cadeira, imagem sofá, imagem azeite,
imagem âmbar, imagem pato, imagem cavalo, imagem cachorro,
imagem mulher.
Companheiros, eu não sou um bicho. Portanto, não posso falar
por vocês. Respeito vossas existências, não tenho a prepotência
de entendê-los, caros coitados que são, mas vamos tentar dialogar.
Vamos. De diferente para diferente. Aprendi como os seres
humanos falam, como escutam, que é preciso falar com certeza,
assim como estou falando neste momento, para ser ouvida por
vocês. Por aleatoriedade, escolhi falar no feminino, enquanto
vossa espécie não define se fala como macho ou como fêmea.
Sei também que vocês têm dificuldades de entender o que não é
vocês mesmos, mas vou tentar explicar:
Sou uma voz, apenas isso.
E, mesmo sabendo que vocês não acreditam nesse tipo de existência,
que não é humana, vim até aqui, proferir sons de vossas
línguas limitadas. Línguas que não decidem. Não decidem se
falam o que escrevem, ou se escrevem o que falam. Estou me
comunicando com palavras de um bicho humano, porque vocês
são tão egoístas, tão egoístas, que só entendem as próprias
línguas. Eu poderia me comunicar em Código Morse, em sons
inaudíveis, em ondas magnéticas, ou qualquer outra coisa
assim. Vocês pensam que minha existência não existe, mas precisam
saber que vozes existem sim. E invadem matérias. E são
vorazes pelas matérias.
Ontem entrei em você, coisa. É possível. Mas você não lembra.
Lembra? Lembra sim... você pensou que era a lepra, o vento,
a luz que simplesmente pincelou o brilho da sua imagem.
Tudo imagem: imagem cadeira, imagem sofá, imagem azeite,
imagem âmbar, imagem pato, imagem cavalo, imagem cachorro,
imagem mulher.
O corpo da mulher é visto.
Trecho de VAGA CARNE, de Grace Passô
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